365 dias sem ela
Um ano sentindo a mesma dor. 365 dias pedindo o colo da única pessoa que não pode dar. 8760 horas percebendo que tem uma parte faltando. 525600 minutos em que lembro da rotina que nós tínhamos.
Na noite do dia 8 de abril de 2019 não consegui dormir, meu coração se agitava como se soubesse o que estava acontecendo. Depois de tanto penar fui vencida pelo cansaço e pisquei. Quando meus olhos viram a luz por volta das 6h, o corpo não tinha descansado, todo ele estava dolorido. Fui chamada por um pedido urgente, o hospital em que dona Liete estava na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) tinha telefonado pedindo os documentos dela.
Eu já sabia o que tinha acontecido.
Mas, aquela não era a única opção. As alternativas eram: viva ou morta.
No carro lotado, queríamos acreditar na liberação, alta, mesmo com o coração ficando cada vez mais pesado, os dedos das mãos tremiam e os sapatos brancos já estavam ensopados de tanto suor. Quando chegamos no hospital soubemos que a única pessoa que escolheu a alternativa correta fui eu.
Minha avó, Eliete Santos, já não ocupava um leito no terceiro andar daquele hospital. O corpo dela havia sido removido, inserido em um saco e depositado num quartinho no térreo que tinha uma placa na porta dizendo: “necrotério”. Cai no choro por dois minutos até ver que de um lado minha mãe tinha o rosto vermelho e inchado e minha tia não parava de mandar mensagens pelo WhatsApp com a frase:
“minha mãe foi guardada pelo Senhor.”
Meu estado de choque durou tão pouco tempo que fui a primeira a ver o corpo adormecido da minha avó. Até hoje me dói ter visto. Ela dormia, como em todas as vezes que acordei de madrugada e fui ao seu quarto para ver como estava, só que dessa vez nunca mais reabriria seus olhos.
Sua voz não existia, nem a risada.
Nos primeiros dias após a sua morte, tinha a sensação que íamos nos encontrar à noite ou que estava descansando para render alguém no hospital. Essa troca nunca chegava e eu ocupava o meu tempo assistindo Padrinhos Mágicos e escrevendo um projeto frustrado de conclusão de curso, que meses depois foi reprovado.
Os dias foram passando, ir a nossa casa era um tormento até que voltei a morar nela. Não tinha aquela pessoa que sempre cuidava de tudo para me engordar, para chorar na beira da cama porque meu corpo estava ponteado. Todas as vezes que olhava para o quarto dela tinha a sensação que precisava ir lá e ver se ela já tinha tomado o remédio para controlar a diabetes.
Mas, não estava lá.
Quando me senti preterida e tornei a chorar, pedi a Deus para que ela estivesse em casa me esperando e que me pedisse para assistirmos a novela das 21h. Naquela noite, não fui abraçada pela única pessoa que queria, não ouvi aquela voz que poderia ter dito:
“Você é linda mesmo vestida desse jeito!”
Deitei na cama e molhei meu travesseiro. A dor da falta é tão grande, a saudade deixava meu coração e corpo todo dolorido. Passei o dia inteiro na cama, coberta e sonhando que num tempo atrás ela poderia estar reclamando por estar fazendo aquilo.
Todos os segundo lembram-na, quando acordo às 6h, saio do quarto a casa está silenciosa sem fogão ligado e sem a veinha pronta pra perguntar se quero cuscuz ou batata doce. Quando acordo às 8h, não tem ninguém para avisar que é só para esquentar o café. Já às 10h, ela não tá aqui para reclamar ou para bater na porta do quarto para saber se estou viva.
De todas as coisas que vivo, posso falar para qualquer pessoa, exceto para a que mais poderia se orgulhar. A nota no Trabalho de Conclusão de Curso, o diploma, a cirurgia plástica são apenas as poucas coisas que me fariam chegar correndo em casa para contar. A recuperação da mamoplastia foi dolorosa, a cada momento que ficava sozinha queria ela sentada na ponta da cama para perguntar se estava doendo.
Não estava.
Viver meu aniversário sem ela foi massacrante. Não acordei com ela batendo à porta para dar um beijo na minha testa e perguntar se eu estava completando 15 anos. Não experimentou o bolo sem glúten. Nem pôde reclamar da quantidade de pessoas que estava sujando seu terraço.
Ter vivido esses 365 dias sem ela parte o meu coração. Estou segura de que se ainda estivesse aqui, do mesmo jeito de seus últimos dias, a dor seria maior. São 12 meses que a saudade não vai embora. As 52 duas semanas com essa falta lembram que nunca mais ouvirei:
“Belly, tu vai ter dois filhos. Dois homens!”
“Belly, tu não acha homem de farda lindo? Eu acho.”
“Limpa esse microondas.”
“Eu nunca vi isso na minha vida.”
Se tu leu até aqui deixa palminhas pra me ajudar.
Ah, eu chorei escrevendo esse texto, então separei outros dois pra tu chorar comigo também