A percepção sobre o corpo: uma história sobre transtorno alimentar
Há coisas que são essenciais à vida humana, que são: oxigênio, água e comida. Dessas três, a primeira é impossível passar pelo menos 20 minutos sem, a segunda se sobrevive até uns três dias e o último é possível permanecer pelo menos um mês fevereiro sem (28 ou 29 dias). Dois a pessoa precisa, aceita isso e ponto. Já o outro é preciso ter um relacionamento, seja bom ou ruim, que reflete em toda a vida. A comida.
Ter uma relação saudável é semelhante a um equilíbrio físico e emocional. Aquele alimento pode nutrir tua alma e teu corpo.
Nem em escassez, nem em demasia. Em equidade.
Os sinais que o relacionamento com a alimentação é tóxico são evidenciados por meio de doenças física e psicológicas, tais como obesidade e anorexia.
Não tem como dizer basta, seu corpo não parece ser o suficiente. A comida parece ajudar, coloca pra dentro tantos pedaços, não ajuda. Fica mal de novo. Coloca pra fora. O basta só chega com a ajuda apropriada.
A relação abusiva com a comida transforma o corpo, fazendo com que seja impossível se satisfazer com ele.
Minha primeira insatisfação apareceu próximo aos sete anos de idade. Após anos sendo uma criança magra escondida pelo volumoso cabelo loiro, comecei a engordar e em menos de três meses de consulta com o pediatra engordei dez quilos. Naquele dia eu já estava usando roupa maior, dessa vez para crianças com 12 anos. Entrei no consultório com o meu irmão, que foi elogiado pelo seu peso e ganhou um doce. Após me colocar em cima de uma balança, ver que eu estava acima do peso , o homem de jaleco branco disse:
“Você não ganha um pirulito porque está ‘cheinha’. Já deve começar um regime”
A convicção de que o meu excesso de gordura era uma das piores coisas do mundo, junto com minha mãe fiz uma dieta esquisita aonde eu comecei a comer bolacha com requeijão e queijo coalho no café da manhã e no jantar, no almoço devorava um arroz branco sem gosto e dois pedaços de bife de boi. Era uma tortura, não existia lanche da tarde, e a boca salivava horrores quando os olhos viam um coxinha.
Mudei de plano de saúde e nunca mais vi aquele homem.
Emagreci ao ponto das calças que usava para ir a escola ficar parecendo um boneco de posto e a camisa estava gigante. Deveria ficar feliz com o resultado, mas no lanche da escola, enquanto todas as crianças tiravam seus biscoitos recheados, minha mãe havia colocado apenas um copo para água.
Certo dia, na hora do lanche, estava próxima ao birô conversando com a professora e uma colega de turma, quando mencionei:
“Vou falar com minha mãe, essa roupa tá parecendo um balão.”
A colega olhou no fundo dos meus olhos e disse:
“Mas, tu já é um balão.”
Ninguém falou nada. Nem eu, nem a professora. Sentei magoada na minha carteira e não falei mais com essa menina. Perdemos o contato até o ensino médio, aonde paguei de doida e fingi que não a conhecia.
Fui chamada de: bolinha, botijão e mais. Entrei na academia, chegando a passar 2h30min treinando para compensar o açúcar que tinha colocado no suco.
No dia que não treinava, fazia a mesma coisa com a alimentação. Já comi papel para “encher a barriga”. Até que parei de malhar e tive efeito reboot, comia por minuto. Devorava o salgado de R$1, um pacote de biscoito, um pratão de brigadeiro de colher. Engordei horrores, a calça Nº 40, foi parar no Nº 46.
Um boy que gostava de uma das minhas amigas mais próximas no primeiro ano do ensino médio olhou para a minha calça jeans azul colada e disse:
“Tu come demais. Precisa fazer uma dieta. Tá muito gorda.”
Fiquei calada. Era verdade. Eu tava muito gorda. Minhas roupas estavam apertadas. E o pior, não conseguia parar de comer. Não olhava para o meu corpo, porque ganhei toda aquela gordura em pouco mais de um mês após o meu aniversário de 15 anos. Depois de ter passado 14 meses sem comer pão, brigadeiro, refrigerante, empadão e ouvindo a moça que estava costurando meu vestido sob medida que eu não podia comer espaguete até o dia da festa.
Eu não conseguia olhar para o meu corpo no espelho. Desejava o corpo perfeito, emagrecer, mas nunca acontecia. Comia, malhava, comia.
A compensação era inevitável. Corria na esteira durante 20 minutos, fazia o mesmo tempo de bicicleta e completava uma hora com o elíptico e só parava quando a pressão arterial ficava tão baixa que quase vomitava.
Ninguém se sentia atraído por mim. Meu corpo se assemelhava a um pato.
Apontavam-me o dedo e lançavam apelidos maldosos aos quatro ventos.
No espelho, meu corpo parecia mais pesado. No quarto, nenhuma roupa parecia perfeita, afinal diziam que eu só poderia vestir tamanhos maiores e de cores escuras.
Passada a interação, comer dói, enjoa, enoja. Sentir fome é um desafio, querer comer é uma batalha a ser vencida. Mesmo com acompanhamento nutricional e psicológico visto 90% das peças do armário e resolvo que não preciso sair. Escutei o personal dizer que eu parecia um “tonel”, o amigo diz que não sabe porque como tanto verdura se minhas medidas não diminuem.
O texto não termina aqui porque estar insatisfeita ainda é realidade.
A percepção do nosso corpo começa a partir das primeiras interações sociais.
Se tu leu até aqui não esquece de bater palminhas, tá?
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