Delicadeza, emoção e empatia que nos faz levar “Flores para Algernon”
Quanto custa a inteligência e o conhecimento? Há mais de 4 mil anos uma história é contada e tem estado eternizada nas páginas de um dos livros mais conhecidos no mundo, a Bíblia Sagrada. Sabemos que no início, Deus criou o céu, a terra, os animais e viu que tudo isso era bom e fez seres humanos. Adão e Eva poderiam explorar e comer tudo que estavam dispostos no jardim no Éden, exceto o fruto da árvore do conhecimento. O casal ingere esse alimento e passa a ter ciência do certo, errado e que isso tem um preço.
Sob essa premissa de valor que é possível imaginar na inserção do protagonista Charlie, no livro “Flores para Algernom”. Um moço que já estava na casa dos 30, mas tinha a capacidade intelectual muito menor que uma criança de dois anos, no entanto, ele tinha um único sonho: ser inteligente.
O primeiro casal bíblico ao decidir pelo conhecimento teve que arcar com a introdução do pecado e sofrimento na terra, assim como Charlie. Mas, para ele, isso significa, a perda da inocência, a descoberta que as “situações engraçadas” eram, na verdade, geradas pela sua incapacidade de notar as diferenças do comportamento humano, como, por exemplo, malícia e sarcasmo.
Narrado em primeira pessoa, na verdade, num formato de diário que muito se assemelha ao estilo usado por Rick Riordan em Percy Jackson. Há características da oralidade, da humanidade e da singularidade que caracteriza o Charlie de antes e depois de um procedimento cirúrgico. O protagonista é um homem adulto que desde criança sofre com uma deficiência intelectual, o seu QI é de 68, ou seja, não consegue fixar nenhum conhecimento. Longe da sua família, ele trabalha numa panificadora e estuda numa “escola para retardado”, como o próprio personagem coloca. Então, ele é selecionado para participar de um experimento, que antes só havia sido testado no rato Algernon, uma cirurgia que faria modificações na massa cinzenta e na capacidade de memória.
São poucas páginas de profunda emoção e crescimento do personagem, ao ver cada um dos relatórios de progresso, é possível notar a sutil melhora de Charlie. Antes com erros de ortografia absurdos, então vai aprendendo as palavras, lembrando dela, lendo livros até ficar afiado, tudo isso quase tão rápido quanto uma gestação. No entanto, enquanto o crescimento intelectual acontece, outras áreas de sua vida necessitam ser preenchidas, como a emocional. E isso começa a fazer falta para o pobre Charlie, que passa a enfrentar as consequências da cirurgia.
Será que foi errado para Adão e Eva desejarem saber mais? Ou para Charlie se empenhar tanto para ser o escolhido para a cirurgia? Se cada um tem uma complicação, seja as dores do parto ou as instabilidades do cérebro. Charlie ao se tornar superdotado, percebe que quase não tem amigos de verdade e os poucos que o consideravam, se sentem ameaçados por toda essa inteligência. O único que permanece é Algernon, o pequenino rato de laboratório, que está apresentando o ônus do procedimento.
Então, o leitor passa a se perguntar: “qual o propósito de vida de Charlie?” Talvez seja ajudar a outros humanos que apresentarem as mesmas deficiências. Enquanto, Daniel Keyes, parece fazer um apelo a sociedade que aceite e acolha cada uma dessas pessoas, tanto as não quanto dotadas. Ele escreve num dos relatórios de progresso:
“Inteligência e educação sem doses de afeto não valem de droga nenhuma.”
Charlie vai levando flores para o túmulo de Algernon, que chegou a óbito após o colapso provocado pela cirurgia. Esse rato era semelhante ao protagonista, tido como uma coisa, válido apenas quando eram inteligentes. Eram iguais e tiveram o mesmo destino.
Flores para Algernon é um livro sensível, delicado e marcado pelo aspecto social da necessidade do saber, da expectativa de ser inteligente. Charlie, embora tenha terminado seus relatórios sem saber o que aconteceria, o leitor já imagina e o saudamos por sua coragem e realização. Essa obra é um manifesto da aceitação do diferente. Todas as almas precisam de amor.