Mira Light: tapioca, tradição e bom humor
Era de tarde, o sol ainda estava quente, no fim da ladeira da misericórdia está o Alto da Sé. Havia artesanato pronto e sendo feito, tinha turistas em todas as direções, mesmo sendo uma quarta feira. No alto de Olinda, o sol esteve acompanhado com uma brisa agradável, o céu estava puramente azul. Andando pelo canto, ouvimos:
“tapioca, moça? Aqui é light, diet e engordiet!”.
Era Dona Mirian interceptando pessoas para experimentar a delicia que ela sabia fazer.
Peneira a farinha de mandioca, mexe no carvão e esquenta o fogo. Coloca a panela no fogo e espera ficar quente, bota a farinha na panela. Fez o crepe, virou, colocou o recheio. Doce, Salgado e acarajé são esse o “ganha pão” dessa mulher, conhecida como “Mira Light”.
No coração dela há bem mais do que a receita iguaria, mas o sentimento de pertencimento. Cresceu ali, naquele mesmo ambiente, noite e dia, sol e chuva. Viu a mãe ir ali todos os dias, montar sua barraca e vender tapioca. Filha de uma das primeiras tapioqueiras de Olinda, ela herdou o ponto de vendas e a receita.
“Isso aqui é o meu sustento, eu amo o que faço, às vezes faço um bico em festa, mas minhas contas são pagas mesmo com minhas vendas” disse ela, cheia de alegria por ter isso.
Na vida toda, ela soma 40 anos trabalhando ali, lembra que ainda criança ajudava a mãe a peneirar a farinha de mandioca. Está sozinha há cinco anos, quando sua mãe morreu pelas consequências da idade. Dona Mira diz que sonhava que seus filhos fossem trabalhar com ela, mas cada um tomou rumo diferente, negando tradição da família. Com os olhos mareados ela falou que aquela barraca não tinha herdeiro, se não fosse dos filhos, não seria de ninguém.
Tradição:
Passada de mãe para filha, significa cultura. Essa mulher viu a tapioca se tornar Patrimônio Imaterial de Olinda, em 2006. Acompanhou a promessas da prefeitura de padronizar todas as barracas e as pessoas que lá trabalharam, segundo ela é um “acontece não acontece”, mas o importante é que ela tá ali, fazendo o que gosta.
Assim como todos os vendedores do alimento, passou por perrengue, o lugar de trabalho não tem as devidas instalações de energia elétrica e por vezes a Companhia Energética de Pernambuco (Celpe) faz o desligamento. Dona Mirian não se deixa abater, com sorriso no rosto ela enfrentou cada adversidade, sem nunca deixar de vender.
Outro dia eu fui visitar “Mira”, era sexta feira, primeiro dia do 1º Festival de Tapioca de Olinda. Estava com muita vontade de comer a tapioca dela, ela me disse que aceitava cartão, pois só por curiosidade pedi para pagar no cartão. A iguaria deliciosa sabor Romeu e Julieta já estava em minhas mãos quando a mulher desapareceu no meio de pessoas. Voltou alguns minutos depois na inocência, me entregou a maquineta e disse: “no cartão acrescenta mais R$2,00”. Eu mesma coloquei o valor e passei o meu cartão, ela não sabe usar tecnologia, só confia em cada cliente.
Mulher que é exemplo na vida, suor no rosto e mão no fogo, trabalhadora e confiante.
“Minha tapioca é a melhor da região, não quero que ninguém me imite, nem eu imito ninguém, aqui é o único lugar que tem light, diet e engordiet”.