O medo de alguém em ser ninguém

Isabelly Emiliano
4 min readAug 21, 2019

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Como é ser ninguém? Não ter a quem recorrer? Essas duas perguntas criam um buraco no peito, não se pode respondê-las sem nunca ter vivido um momento ou toda uma vida de invisibilidade. Matheus Vinícius sabe responder às duas perguntas. Ele, um jovem de 21 anos, se viu obrigado a sair da cidade pernambucana de São Lourenço da Mata, onde nasceu, para arrumar um emprego na movimentada capital, Recife.

Não ser ninguém custa caro para esse rapaz, que, para driblar o desemprego, virou vendedor ambulante em metrô, terminais integrados e ônibus da zona sul.

Pagou trezentos centavos, o equivalente a R$ 3 em moedas de um centavo. O valor pode ser pequeno para quem tem, mas, para Matheus, não. Ele tinha que multiplicar o seu mínimo e transformar tudo em lucro. Não podia voltar para casa sem poder ajudar o seu pai desempregado e ter algum alimento para encher a barriga dos quatro irmão mais novos.

O preço de ser ninguém é alto. Quando isso acontece, não existe mais uma pessoa e te tratam como um bicho. Foi isso que Matheus teve de superar no dia 7 de junho de 2018.

“Eu saio de casa cedo, umas 5h, para pegar o primeiro metrô para Cajueiro Seco. Hoje, os homens que trabalham no metrô me pegaram e me levaram para uma salinha na Joana Bezerra. Lá, eles pegaram minhas 12 garrafas de água, abriram todas e jogaram tudo fora. Quebraram meu isopor e me mandaram ir embora”, disse ele ao subir no ônibus TI Cajueiro Seco/Cabo.

Matheus foi humilhado e perdeu o que tinha porque, no seu processo de vida, se tornou um ninguém, sem direitos ou identidade. Mas essa história precisava ser contada e ele fez isso ao subir no ônibus, na primeira quinta-feira de junho.

Saiu da sua cidade com apenas R$ 10 no bolso, que teria que ser dividido entre a passagem de São Lourenço para Recife e um fardo de água, que, no total, são 12 garrafas de 500 ml que seriam vendidas a R$ 1 cada. Pela bondade de um motorista, ele chegou na Estação Recife sem gastar uma moeda do que tinha no bolso. Quando acenava para o condutor no trajeto, ele logo parava e abria a porta do meio aceitando dar carona. Comprou 12 garrafas a R$ 5,40, um pequeno isopor e desatou a vender, gritando na Joana Bezerra: “água, parceiro?” ou “água um real”. Assim ganhou R$ 12, comprou mais garrafas e conseguiu o dobro: R$ 24.

Mas, no meio do ônibus, falando sobre a sua vida, ele não tinha nada. Porque tudo o que tinha foi tirado dele.

“Hoje, estou me vendo como um ninguém. Sem trabalho. Não tenho história. Não tenho dinheiro. E digo que, se fosse denunciar, o errado seria eu, pois aqueles caras estão fazendo ‘o trabalho’ deles. E eu… Sou para eles apenas um marginal. Eu estava tentando levar dinheiro para o meu pai e alimentar meus irmãos”, conta Matheus, triste, desolado e com lágrimas escorrendo pelas bochechas queimadas do sol. .

O jovem contou que o principal motivo para ter saído de casa foi ter visto o seu pai ser rejeitado. Segundo Matheus, foi assim: o pai mandou buscar macarrão e salsicha na quitanda próxima à sua casa, mas voltou sem nada porque o proprietário do mercado não podia vender sem ter previsão de quando ia receber o dinheiro. Se as coisas continuassem como estavam, todos os irmãos ficariam desnutridos. Ele precisa do dinheiro.

De volta ao ônibus, uma mulher aborda Matheus e diz: “meu filho, vai dar tudo certo. Creia em Deus que tudo vai dar certo para você e para cada um dos seus irmãos”. Deu uma nota de R$ 5 e o deixou continuar.

Pedia cinco, dez, quinze centavos para ajudar a comprar outra caixa de isopor que custava no mínimo R$ 4,60. Foi ajudado por grande parte do ônibus e, ainda pela manhã, conseguiu um valor superior ao da caixa. Logo, ele conseguiria comprar mais um fardo e transformar essa história em ganhos e superações. “Meu maior sonho é ter um emprego de carteira assinada. Meu maior sonho é ser alguém”, disse ele.

É um desejo, um sonho que, no futuro, possa se ver como um a menos nos 12,7% de desempregados no Brasil, segundo dados do IBGE. Assim, Mateus Vinícius, morador de São Lourenço da Mata, baixa renda, experiente em comércio, com ensino básico completo poderia ser visto. Ser uma pessoa. Não ter medo, pois ele vai ser alguém.

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Written by Isabelly Emiliano

Escritora muito antes de ser jornalista. Acabei de escrever um livro que precisa ser publicado. Enquanto o dia não chega, você pode ler alguns textos aqui.

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