O melhor amigo de uma criança: a história de um brinquedo
E são tantos problemas que não tem fim
Não se esqueça que ouviu de mim
O dicionário classifica a amizade como algo que gera boas expectativas, sinaliza algo bom e consegue criar boas lembranças. Pode ser amigo: pessoa, animal, imaginação e brinquedo. Um dito popular afirma que “o melhor amigo do homem é o cachorro”, mas não é do mesmo jeito com a criança. Para elas, este título abrange o seu brinquedo preferido.
Para Andy existiu o Xerife Woody, Lilo teve a sua Xepa, enquanto Stephanie Tanner teve o seu Mr. Bear. Cada criança, da ficção (ou não) tem seu melhor amigo.
Eu tive o meu melhor amigo brinquedo, nesse caso, amiga.
Era uma boneca, tinha a pele clara, olhos azuis, as mãos eram tão pequenas que facilmente podiam ser empacotadas na mão de uma criança de seis anos. Os pés tinham o mesmo tamanho, embora as panturrilhas fossem bem “rechonchudinhas”, assim como as bochechas. Ela chorava quando eu apertava a sua barriga de espuma coberta por tecido branco, mas nunca ficava “nua”, como boa mãe, sempre tive centenas de vestidos para toda situação que fosse levá-la.
Seu nome era Pampers, batizada pelo próprio fabricante, uma vez que era o letreiro da caixa. Poderia chamá-la de boneca, neném ou bebê. Acordava e dormia ao meu lado, na cama de baixo do beliche que eu dividia com um irmão mais velho. Pampers era a minha filha, também tinha o cargo de confidente, sabia de todos os meus segredos, me fazia feliz.
Aquele brinquedo foi o meu primeiro melhor amigo.
Pampers foi mimada e amada, mas viveu pouco.
Era domingo, Belly criança acordou cedo, a camisola salmão era folgada e batia nos seus joelhos ossudos. O cabelo cacheado, loiro mel, solto era tão cheio e rebelde que escondia o seu rosto. Num dos braços prendia a sua boneca preferida. Sua mãe ia receber visitas, a comadre com a mais velha de suas netas.
Quando as visitas chegaram pareceu que as crianças iriam brincar muito, uma vez que Tainá, a visitante, era apenas um ano mais nova que a anfitriã. Belly deixou a boneca numa cadeira de plástico infantil que ficava no quarto e foi se divertir com a menina.
Mas, o sossego de Pampers durava pouco.
Em pequenos intervalos Tainá ia até o quarto para pegar a boneca. Belly tentava não ser egoísta, mesmo que detestasse o fato de que outros dedos tocassem a sua melhor amiga, deixava porque seu pai havia dito:
“Deixe de coisa. Aprenda a dividir seus brinquedos”
Mas, Pampers não era um brinquedo. A boneca era um pedaço da criança.
Thainá não queria largar a boneca, tanto que na hora de ir embora implorou para levá-la. Pediu com tanto afinco que compadeceu o coração do pai e mãe de Belly:
“Vamos, Belly, dá essa boneca a Thainá” disse a mãe
“Não, mãe”
“Dá essa boneca a ela, Isabelly. Você tem muitas.” Continuou a mãe.
“A Pampers não. Dá a ela as outras bonecas”
“Ela quer a Pampers. Você pode pegar outra boneca, como a Babalu”
Belly cedeu e viu a sua melhor amiga ser levada pelos braços de outra criança. Aquela foi a última vez que pode ver o seu brinquedo favorito. Enquanto chorava, foi acalentada pela recém-aberta Babalu, que não servia para nada, nem para guardar segredos.
Meses depois descobriu que Pampers morrera esquartejada. A neta da comadre da mãe de Belly dividiu a boneca em seis partes, e só sobrou a cabeça na casa dela.