O mistério é uma cereja para o bolo em “O Segredo do Meu Marido”
Nas aulas de filosofia, lá no ensino médio, o professor abre um dos livros didáticos mais finos que os alunos têm e lê o mito “A caixa de Pandora”. A história de uma mulher criada pelo deus grego Zeus e enviada para castigar o herói Prometheus, com ela vinha também uma caixa que não deveria ser aberta. No entanto, sua curiosidade não pôde ser contida, ao abri-la todo o mal existente passou a habitar na terra. Seguindo essa linha narrativa, Liane Moriarty, apresenta e aprofunda um enredo encoberto por um segredo tão ruim que poderia acabar com a vida de muitos conhecidos.
É perfeitamente plausível alegar que a autora é fã de segredos, afinal teve sua fama potencializada com a criação do enredo que deu origem ao seriado de televisão “Pequenas Grandes Mentiras”, estrelado por grandes nomes de Hollywood, como, por exemplo, Reese Witherspoon, distribuído no brasil pela HBO.
São 360 páginas de narrativa de “gente grande”, escrita simples, assim como o desenrolar dos problemas complexos. Em todas as páginas, é abordado de forma adulta, os desesperos de todas as personagens principais, embora tenham muitas inseguranças nos papéis que desempenham, como mães, esposa, são o porto seguro de outras pessoas.
Cecília, Rachel e Tess, suas histórias estão ligadas por simplicidades na rotina, no entanto a inclusão da última tenha sido irrelevante para a obra, sua história é triste e “cabeluda”, mas não acrescenta para o enredo central. As duas primeira mulheres estão ligadas, por algo que aconteceu há 28 anos, quando Janie, filha mais velha de Rachel, ainda estava viva e com 17 anos.
Diante de tantas produções com a presença da maternidade, Moriarty apresenta de forma crua e não-romantizada, realmente descrevendo as figuras maternas como são: nem sempre estão felizes em fazer algo para os seus filhos, mas devem fazer porque eles dependem disso. Uma mãe que quer ser perfeita, mas pensa nas manias estranhas de sua criança com irritação é genial, por isso que o filme “Perfeita é a mãe”, estrelado por Mila Kunis possui uma mensagem tão especial, mesmo sendo uma comédia tosca.
No universo literário, perante tantas obras que superestimam a relação sexual, a autora aborda o sexo como ele realmente deve ser, normal; necessário o casal e tão desejado pela mulher como para o homem. E esse, talvez, seja o único ponto relevante para presença de Tess na história, claro que ela possui a sua própria caixa de Pandora, mas nada relevante ao que aconteceu há 28 anos e que faz com que as histórias de Cecília e Rachel se choquem.
Os capítulos são apresentados e terminados com extrema perfeição, como se Liane enquanto escrevia pensasse em ativar o gatilho mental da antecipação, ou seja, fechar o livro só é possível quando se tem algo muito importante para fazer. Inclusive, o que poderia ser um tiro no pé para alguns autores foi feito com excelência em O Segredo do Meu Marido, narrar os últimos momentos da garota morta, sob o olhar da mesma. Um toque ainda mais especial.
Esse é um livro que necessita de fôlego.
A narrativa é simples, fácil e muito boa de ler, no entanto não é algo a ser almejado. Em momento algum, o leitor poderia desejar sentir a mesma dor do luto e saudade que a velha Rachel sentia ou a insegurança de Cecília em contar ou não o segredo do seu marido e nunca gostaria de ter a sensação ser traída como Tess foi, logo por sua melhor amiga.
Esse livro não causa ódio ou repulsa, assim como tantos outros que abordam temáticas semelhantes. Ensina que pessoas são passíveis ao erro, acontece próximo a nós e que precisamos fazer escolhas pela nossa sanidade mental e família.
O visual casa com todo o resto, sobriedade da vida adulta. Uma produção que não deve ser julgada pela capa simples, mas por todo currículo de Liane Moriarty no gênero que concluí mais uma obra com o mérito de ser aplaudida de pé, assim como o epílogo.