O que a dor fez (comigo)

Isabelly Emiliano
3 min readOct 14, 2019

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Os olhos marejavam enquanto o coração batia forte fazendo com que o ar não conseguisse ser inspirado. A cada lágrima que caia, o peito subia fazendo absurdo esforço para que o corpo continue a bombear oxigênio. Isso não é estranho ou novidade, apenas a consequência da ferida que é impossível ser vista, tocada ou até cheirada. A dor que só sabe quem passou ou ainda passando e está vivendo com ela.

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A história começa com lágrimas nos olhos, não caindo em cascata, no entanto como gotas que caem do céu avisando que vai chover. Descendo dos olhos castanhos, as bochechas manchadas, os dentes batendo causando a dormência de toda a área mandibular, tudo isso por causa da dor que machuca o cérebro com as lembranças e o coração com a saudade.

Sentir a dor ferir, cansa.

Tudo começou com o que o câncer fez comigo, primeiro, fez com que a esperança permanecesse viva, enquanto as orações a Deus eram constantes e cheias de súplicas. Depois, o tumor ceifou cada mínimo pedaço de expectativa, deixando de presente o pesar sufocante da espera pela morte. Isso desencadeou um problema que há anos tentava esconder: o transtorno de ansiedade.

Quando a ansiedade bateu a porta novamente, depois de ter abandonado o tratamento há anos, o primeiro pensamento foi “qual é a do meu corpo e por que não consigo controla-lo”.

Após ter ouvido trinta minutos de um podcast sobre curiosidades do câncer, comecei a escrever um texto, que mais tarde foi preciso que um colega de trabalho apagasse antes que a garganta se enchesse de nós novamente. Estava na sala de reunião, a equipe do marketing estava quase pronta para uma dinâmica de concentração, porém a única coisa que me tomava atenção era o tremor na minha pálpebra esquerda.

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Alguns minutos depois, passou para as mãos, que sacudia tão intensamente que era impossível ter força de vontade suficiente para parar. Sem motivo, aparente, os olhos se enchiam de lágrimas e o nariz, mesmo junto da boca não conseguia fazer com que o oxigênio traçasse o caminho para o pulmão. Alguém gritava:

“Pega água pra ela”

Depois chegou bem pertinho e disse:

“Descruza os braços e respira acompanhando a minha respiração. Se concentra em mim”

Aos poucos, voltei a normalidade.

E, isso, foi a primeira coisa que a dor fez comigo.

Meses depois, sem esperança e novamente quase sem respirar, a queda na sala de estar daquele hospital fez com que as calças brancas coronhas ficassem manchadas e os joelhos dentro dela, vermelhos, poucas lágrimas caíram aquele dia, mas vivi um blackout durante quase 24 horas.

Coloquei-me no piloto automático naquele dia e só me recordo de chorar num cemitério.

Esta foi a segunda coisa que a dor fez comigo.

Depois daquele dia, nunca senti ela dando adeus e indo embora, pelo contrário, fazia questão de marcar presença durante o dia e a noite, quando levanto, leio livro ou assisto filmes, mesmo escrevendo a dor persiste.

A dor precisa ser sentida?

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A dor tornou os dias mais escuros e tristes, esvaziou cada sentimento possível, me deixando vazia, sem coragem de pedir socorro. Dizem que a dor precisa ser sentida, porém ninguém explica o que ela faz, porque isso é só um pouco do que vem fazendo comigo.

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Isabelly Emiliano
Isabelly Emiliano

Written by Isabelly Emiliano

Escritora muito antes de ser jornalista. Acabei de escrever um livro que precisa ser publicado. Enquanto o dia não chega, você pode ler alguns textos aqui.

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