O que a morte fez (comigo)

Isabelly Emiliano
4 min readNov 4, 2019

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Ora, o último inimigo a ser aniquilado é a morte.

Morte
Divulgação: Freepik

Lágrimas, flores e lembranças tristes acompanham o dia que deveria ser o mais angustiante do ano. Dois de novembro, Finados, a festa da morte, na verdade da saudade. Porque a morte é sobre saudade.

São 24 horas para remoer a dor que se alojou no peito quando os olhos de quem amamos se fecharam para sempre.

Finado é um adjetivo que qualifica alguém que finou, chegou ao seu fim.

Mas, a morte não é a conclusão. E, sim, um começo.

Viver tem prazo de validade.

O ciclo da vida nos mostra que; nascemos, crescemos, evoluímos e morremos. No entanto, o nosso legado permanece, para sempre, ou pelo menos até que a última pessoa se lembre. É por isso que choramos no dia dois de novembro.

Viver é efêmero, somos obrigados a deixar nossa marca no mundo.

Divulgação: Google

A Morte é uma semeadora, aduba o solo do coração, fazendo com que o amor floresça com a saudade. Semeia as memórias boas, acentua o gosto dos dias felizes e faz com que a vida seja eterna.

Afinal, viver tem começo e fim. A vida não, ela começa muito antes de nascer e não termina quando os ossos jazem na terra.

Todo mundo tem alguém que deve lembrar, seja pai, mãe, parente ou amigo que deixaram de nos acompanhar. Mas, nos ensinaram alguma coisa, como, por exemplo, cuidar e amar.

O feriado de Finados deveria ser como o Dia de Los Muertos, festejado pelos mexicanos entre os dias 31 de outubro e 2 de novembro. Que é uma celebração que segrega a tristeza, celebrando a passagem humana na terra, com música, dança, cores fortes e muita alegria. É sobre comemorar o período que nosso parente esteve aqui.

Viva — A vida é uma festa (Molina e Unkrich, 2018) me deixa emocionada, não apenas pela música Lembre de mim. A força da lembrança é impactante, quando Inês salva seu pai de desaparecer ao ouvir a música que ele compôs para ela. É com sorriso que recordo do meu pequeno primo, uma criança, que ainda se lembra da nossa avó e toda vez que vê uma foto da “veinha”, ele se estica todo pega o retrato e dá um beijo na representação da bochecha dela.

morte
Divulgação: Disney

A morte me deixou mais sensível.

Quando ela morreu (depois que eu soube do óbito dela), alimentei certa raiva pelo enterro. Acreditava que mesmo na sua cama nova, com os olhos grudados com o formol, deveríamos celebrar como fazíamos em cada aniversário.

Passado o choque do dia, horas essas que suprimi o choro mais que tudo. A parte terrena dela chegou, protegida por madeira envernizada. As bochechas de buldogue estavam esticadas, para os curiosos que evitavam sorrir em “respeito” à família parecia que a mulher dormia. Enquanto, eu, meu irmão e minha prima (que inclusive é mãe da criança citada acima) estávamos quase às gargalhadas.

“Vó teria odiado esse enterro”, comecei.

“Verdade. Ela ia ficar reclamando que não deu creme de frango para os convidados”, disse minha prima que disfarçava o nervosismo comendo.

“Ah, depois ela ia ficar reclamando que gastou dinheiro enchendo o bucho dos outros”, falou meu irmão.

A morte me fez sentir…

Reclamamos do “coffe break”, já que o lema da minha avó era “me tire tudo, só não tire a minha comida”, foi um desserviço o plano funeral só ter disponibilizado bolacha cream cracker, café solúvel (que ela nunca beberia) e chá de camomila.

A morte me fez querer honrá-la (a veia)…

Planejamos um funeral perfeito, na casa dela, tocando Zezo no maior volume possível (a julgar que morava em frente de uma escola). Garçons sairiam da cozinha com as bandejas cheias de creme de frango e as pessoas comeriam em pé, para irem embora mais rápido. Em grupos, elas compartilhariam recordações vividas com a morta.

A morte é sentir saudade para sempre, não é?

E sobre isso, é reviver as coisas boas; os gostos peculiares, os trejeitos, as piadas, o som da voz cantada.

O dia de Finados é, assim, como todos os outros 364, para honrar o caminho feito por uma pessoa que não está mais aqui.

A morte me fez passar pelo dia de Finados com alegria e viver o Dia de Los Muertos.

Ora, o último inimigo a ser aniquilado é a morte.

Se ela é sobre saudade, é impossível deixá-la ir.

A vida é passageira, enquanto a morte é eterna.

Se tu leu até aqui, bate palminhas!

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Written by Isabelly Emiliano

Escritora muito antes de ser jornalista. Acabei de escrever um livro que precisa ser publicado. Enquanto o dia não chega, você pode ler alguns textos aqui.

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