O que escrever fez comigo
Há coisas na vida que nem o maior esforço pode te fazer recordar, como comecei a escrever é uma dessas, digo almejar um dia ser escritora. Lembro bem, quando aprendi a ler e escrever, numa escola de bairro depois que a professora da alfabetização comprou uma aposta com minha mãe de me fazer ler livros grandes de histórias em menos de três meses. Não deu outra, contando que as aulas iniciavam em fevereiro, em abril já estava devorando livros. Contudo, não foi ali que comecei a escrever.
Durante anos, escrever era uma diversão de uma menina que não tinha muitos amigos, além do que, diante dos que tinha, não parecia vantajoso passar por todo o interrogatório do pai para ir até as casas deles:
“Onde é essa casa?”
“A mãe dela vai estar em casa?”
“Me diga o telefone dela”.
Então, escrever era o refúgio da vida monótona de quem, na época, só tinha um computador na casa.
Como Alice do livro Alice no País das Maravilhas, a imaginação e criatividade eram os maiores aliados para evitar a fadiga, embora não chamasse assim há pelo menos meia década. Antes era apenas tédio.
Quando comecei a escrever, não faço ideia, muito menos acredito que alguém mais velho do meu ciclo social primário poderia ajudar. No entanto, a convicção da ação de ter escrito e ainda estar fazendo, é como enxergar um espelho diante da folha branca e as letras pretas que surgem no papel.
Escrever é um encontro.
Escrever fez com que eu me encontrasse. Mesmo sem saber quando começou, a impossibilidade de autoconhecimento anterior à escrita faz com que a boca do estômago queime levemente, num sinal de completa paixão (ou, talvez, seja apenas a gastrite). Há anos, os pensamentos confundiam o cérebro, que precisava desanuviar os pesadelos que feriam o coração. A escrita, amiga, foi uma penseira mais importante que o objeto circular que tinha dentro líquido transparente em que Dumbledore colocava fios prateados da memória e Harry Potter as viu depois, por exemplo, quando ouviu a profecia que o designava como eleito a matar Lord Voldemort.
Escrever organiza a mente já nebulosa de sofrimento e se torna um fidedigno companheiro. É possível até jurar que, num certo tempo, ajudou-me muito mais a liberar perdão do que as noites de vigília em oração que antigos líderes da igreja achavam necessário. Foi numa noite de sexta-feira, sozinha, após tanto dias chorando que organizei tudo que me magoava no papel e resolvi me libertar.
Escrever é um encontro de concentração.
Há coisas que sempre escrevo, como, por exemplo, a primeira consulta com um psicólogo, indicado pelo ortopedista, no qual costumava a visitar todos os meses para curar uma dor na escápula. O médico disse que o meu edema era causado por raízes psicológicas. Logo depois alguns problemas que estiveram me acompanhando foram apresentados, entre os nomes estava o tão querido transtorno de ansiedade.
Abandonei o tratamento quando, pela segunda vez, a psicóloga do plano de saúde me infringia mais medo do que vontade de conversar. Embora, a família acreditasse que a cura tivesse acontecido, o diário de sentimentos foi o mais perto para chegar a isso. Quase todas as vezes, as raras em frente a um computador, quando a pálpebra direita tremia incontrolável, antes de passar para a ponta dos dedos das mãos, usava o teclado para contar histórias quaisquer que me fizesse ficar concentrada e no momento livre da belíssima ansiedade.
Escrever é identidade.
Não sei quem sou sem escrever.
Escrever, além de felicidade e prazer, me presenteou com imensos pacotes de dor. Ainda é a escrita que faz com que as piores lembranças retorne aos olhos em imagens muito nítidas, como se tivesse acontecido um dia atrás. Escrever carrega a possibilidade de reviver tudo quantas vezes desejar.
Escrever me faz ser boa em alguma coisa. Sempre tive inveja de quem sabia desenhar, ou fazer alguma arte significativa, tipo cantar e dançar. Dizem que qualquer pessoa sabe escrever, pode ser verdade, mas assim como o ilustrador tem afinidade com as linhas que formam o desenho, as palavras formam carinhosamente frases bonitas e com o mínimo esforço possível na minha mente.
A prova disso é que não sabia o que devia escrever nesse texto antes da primeira palavra.
Esse texto faz parte do segundo desafio de escrita proposto por Esdras Pereira, valorizo a importância de se superar. E apoio desafios porque mostra que as pessoas podem escrever sem inspiração.
***********************
Escrevi esse texto em alguns minutos após lembrar da potência da palavra em minha vida. “Por que escrevo?” foi a indagação proposta por Esdras Pereira, um jornalista arretado que tem feito um trabalho incrível em ajudar mais pessoas a desenvolver o hábito de escrita.
Esse é o terceiro texto do desafio de escrita de Esdras.
Você pode ler o meu primeiro texto do desafio, clicando aqui.
E o segundo aqui.
Se você quiser participar do desafio, clique aqui
***********************
Pode me chamar de Belly, sou jornalista, escritora e apaixonada por contar histórias humanas.
Encontre meu livro na Amazon, clicando aqui.