Se soubesse que seria a última vez

Isabelly Emiliano
3 min readNov 25, 2019

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Se soubesse que seria a última vez
Divulgação: google

Se eu soubesse que o dia 05 de abril de 2019 seria a última vez que falaria com ela, o que teria dito?

Durante uma maratona intensiva do seriado americano Glee, dirigido por Ryan Murphy e exibido entre 2009 e 2015, mais precisamente no terceiro episódio da quinta temporada, mais conhecido por ser o memorial ao intérprete de Finn Hudson, o ator Cory Monteith, morto vítima de uma overdose. Sentada na cama, vendo os mais de quarenta minutos desse episódio, tornou consciente que se eu soubesse, que eu conversaria a última vez com a minha avó numa cadeira plástica azul numa UTI, não teria feito nada de diferente.

Desde do dia que ela morreu, sinto-me menos confusa. Lembro muito bem, como se fosse na sexta feira passada, quando dei um beijo na testa enrugada dela e disse:

Véia, tô indo pra casa agora, mas amanhã eu venho te buscar pra tu fazer meu café da manhã.

Esse amanhã nunca chegou.

Quatro dias depois quando eu queria trazê-la para casa, fui buscar na verdade: um corpo sem alma, um atestado de óbito e uma dor crescente para guardar no peito.

O que faria se soubesse que em 2019 ela só viveria exatos 99 dias?

O que faria se soubesse que aquele beijo no dia 09 de março seria o último “feliz aniversário”?

O que faria se soubesse que o natal de 2018 foi o último ao lado dela?

Arrependo-me de muitas coisas ao longo dos 99 dias. Mudaria muitas coisas ao longo dos 21 anos em que estive com ela. No entanto, eu não mudaria nada no último mês, dia, minuto ou segundo.

Se soubesse que aqueles três meses e nove dias seriam os últimos momentos da vida dela, teria cozinhado mais vezes, passado mais tempo em casa. Acordaria as cinco horas da manhã e ficariam observando fazer o cuscuz de milho que ninguém faz igual.

Dizem que tudo acontece como deve ser. Mas, gostaria de ter feito os últimos dias os melhores.

Queria tê-la trazido para casa, ter aliviado toda a dor, curado a sua doença, mas tudo que consegui foi dormir sozinha com medo da morte. O “último adeus” me sufoca porque nem no dia do sepultamento consegui dizer o que sentia (afinal, nem lembro muito do que aconteceu), só que tinha muita gente me abraçando.

Considero que meu adeus foi logo após uma oração quando cantei “No meu coração você vai sempre estar”.

Não dá.

É impossível se contentar com o último, ninguém quer. Eu não quero. Tudo tem sido um pesadelo, acordar em casa e ter outra mãe me dando “bom dia”, sentir tanta saudade que faz o peito subir e descer descoordenadamente, chorar todo domingo sabendo que tudo vai se repetir.

E de novo. E novamente.

Não dá para querer ou esperar uma última vez.

A lágrima que escorre enquanto escrevo sobre a minha avó não é última ou a única. Principalmente, quando escuto Remember Me.

Se soubesse que seria a última vez, gostaria de ter mais do que lembrar. E nesse momento queria reclamar da unha mal feita dela, do cabelo mal arrumado, do gosto peculiar por pipoca com ketchup.

Uma última vez. Que eu possa saber que é última e me lembrar.

Se tu chegou até aqui, não deixa de ler esses outros textos escritos por mim:

Soube do óbito dela

Soube da morte dela

A morte é sobre saudade

O que a morte fez (comigo)

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Written by Isabelly Emiliano

Escritora muito antes de ser jornalista. Acabei de escrever um livro que precisa ser publicado. Enquanto o dia não chega, você pode ler alguns textos aqui.

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