Seu Ezequias e a velha mania de ter fé na vida
Uma imagem nítida do quanto a idade carrega sabedoria é Ezequias Emiliano de Oliveira, pela sua pureza de espirito e busca do saber. Sua alma é pintada de humor e alegria, de palavras carregadas pela força, pelo trabalho e amor. Estes que são multiplicados pelos anos de dor, sofrimento que lhe privou os estudos, que custou seu futuro, da miséria que o tornou trabalhador. Quem olha para o senhor de 85 anos imagina uma vida fácil de tranquilidade. Sempre errados. Seu Zequias é de surpresas, orgulho.
Foi preciso força e garra para ele que completou o ginásio numa escola próxima a sua casa, mas não tinha como bancar a passagem de Jaboatão dos Guararapes para o centro do Recife, onde era a única escola de Ensino Médio. Seu pai ganhava pouco e tinha três filhos para criar. “Meu pai não tinha como me dar, então fui procurar qualquer coisa que desse algum dinheiro”, disse o homem que conseguiu um emprego na área de saneamento com a ajuda de um amigo que, em estado de desespero, procurava alguém para o cargo.
Seu Ezequias diz que deve tudo o que aprendeu ao seu prematuro trabalho. Foram 20 anos que passou do saneamento para o escritório. A realidade da promoção, ele que começou por baixo, foi subindo um degrau por vez até se tornar operário provisório e ir conseguindo uma vaga após a outra de pessoas que já se aposentavam. Ele com a inteligência “dada por Deus” conseguiu se superar, trabalhou da zona sul a norte, rasgou solas de sapatos pelas longas caminhadas, andou de bonde por todo o Recife e conseguiu comprar um carro. Ele se acalmou na Compesa com a pergunta de seu chefe: “Ezequias, o senhor quer trabalhar na Compesa?”, humildemente aceitou com a mente cheia de boas lembranças dos 20 anos que havia trabalhado para o Governo do Estado. E ficou até se aposentar com 65 anos.
Durante o meio tempo conheceu dona Izabel do Nascimento, sua primeira esposa e mãe de seus três filhos.Viveram bons anos de amor e companheirismo. Porém, ele a perdeu cedo demais, seu filho mais velho passava dos 19 anos quando viu seu pai chegar em casa chamando “ô, Izabel” para colocar o almoço. Ela estava na sala com os olhos fechados, parecia que dormia, com um sacolé vazio em sua mão, morta. Seu marido chorou como Capitu chorou por Escobar, entrou em depressão sem querer trabalhar. Ele conseguiu dar a volta por cima com a ajuda do filho Evaristo que largou a carreira militar para cuidar do pai. Com sorrisos e abraços, as duas gerações superaram a dor da perda, com cuidado.
Como seus amigos dizem são 85 anos de superação. Viu um de seus filhos casar e lhe dar netos que o adoram e se espelham. Em um trajeto para visitá-los, sentiu uma vertigem e perdeu controle do seu fusca. Ele e o carro ficaram destruídos, mesmo assim, ele se manteve de olhos abertos. Ganhou mais uma chance, tinha sua vida com mais sorrisos e fala mansa. Preservou sempre o bom humor e a fé em Deus que o manteve forte até aqui.
Casou-se novamente, cheio de companheirismo se entregou ao amor com Maria. Em bons anos um ajudava o outro, dividiam tudo e aguentavam com felicidade. Então, foi preciso mais um espírito de superação. Ele caiu no quintal de casa, e um coagulo se criou em seu cérebro Mesmo com apenas 20% de chances de sair vivo com pequenas sequelas da sala de cirurgia ele topou. Fora da sala todos tiveram uma surpresa ao saber que ele havia se superado novamente e saiu 100% novo, inclusive no corte de cabelo.
Foram 86 anos dia 20 de agosto de 2016, com todos os fios do cabelo brancos. Quem disse que isso queria dizer sabedoria estava certo nesse caso, por que isso diz tudo sobre esse senhor. Ele gosta de coisas simples como palavras cruzadas, jogos de futebol e boas visitas para conversar. Tem o olhar de orgulho sobre os seus netos que estão se formados ou em meio caminho andado, por ver que mesmo não tendo a oportunidade eles podem ser alguém melhor para a sociedade e mundo. Pai e avô ele cativa todos a sua volta pelo sua expressividade e costumeira frase: “até outro dia parecido com esse.”.
Um senhor que é brasileiro, pobre e da periferia, que é o significado prático de visão e otimismo. Ele, assim como Maria, não perdeu a mania de ter fé na vida, venceu e faz isso todo o dia, ao levantar da cama, sorrir e agradecer.
Se você leu até aqui não esquece de bater palminhas.
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