Soube do câncer dela

Isabelly Emiliano
4 min readOct 25, 2018

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Dona Eliete antes de descobrir o câncer

Era sexta-feira à noite, por volta das 20h quando cheguei em casa. Tinha passado mais da metade do dia fora. Então, a lógica me parecia clara: vó não ia nem querer falar comigo. Respirei duas vezes antes de atravessar a sala. Quando me aproximei do sofá, ela se levantou do sofá da sala e falou com a voz angustiada:

“Belly, eu não aguento mais, faz dois dias que eu não paro de sangrar!”.

Dona Eliete, com seus 76 anos tem a mesma mania de quando tinha 15, ao invés de usar um absorvente, usava pedaços de toalha e chamava de “modisse”. Ela diz que aprendeu com sua mãe e acha muito mais seguro usar esse pano. Vó tirou a toalha que estava entre a perna dela e no mesmo instante escorreu um líquido vermelho escuro intenso, como se não fosse coagular nem tão cedo. No mesmo instante, as gotas desceram em cascatas melando o sofá e o piso.

“Vó, a senhora precisa ir ao hospital, isso não é normal. Não é normal a senhora menstruar e o pior, isso nem é menstruação!”.

Pelo conhecimento empírico de uma mulher, pode se deduzir que a menstruação não é de todo fino e intenso, além de sua coloração que é de vermelho vivo. Logo, o que Dona Liete tinha não poderia nunca ser menstruação, afinal segundo a minha ginecologista, Drª Maria Helena Tavares, a menopausa chega por volta dos 55 anos, seguindo essa lógica fazia pelo menos 21 anos que a minha avó não tinha mais razão para menstruar mais.

Lá em casa, morávamos apenas eu e ela. Então, assim que amanheceu no sábado eu liguei para minha mãe que foi rapidamente ver o que tinha acontecido. Mainha levou vó para a urgência ginecológica da Hapvida no Derby, no Centro de Recife. Elas ficaram por lá cerca de 20 horas.

Enquanto isso, eu fiquei em casa junto com meu irmão imaginando o que poderia estar acontecendo.

Com muita fé em Jesus Cristo, rezei, orei muito pedindo para que nada grave tivesse acontecido. À noite fui a igreja chorando, implorando que diante de tudo que podia acontecer os médicos só precisassem retirar o útero por completo. Mas, era lógico, não era só isso. Quando cheguei a casa, minha avó, mãe e tia tinham acabado de chegar. Ninguém quis falar sobre o assunto.

No outro dia, domingo, minha mãe foi à feira com meu pai. Quando voltou, parou na casa de vó, com os olhos marejados disse:

“Se segure viu, sua avó está com câncer!”

Na, na, ni, na não. Dona Eliete não podia ter câncer.

Ela tinha, um exame comprovou isso. Foi encaminhada para um oncologista da rede, ela ou a filha não lembram o nome do médico, disseram que ele foi um péssimo profissional para elas. Mencionado em conversas apenas como Adriano, o médico pediu uma autorização para realizar um procedimento semelhante a raspagem no útero. A cirurgia aconteceu no dia 20 de agosto de 2017 às 23h. O médico não fez nada.

No outro dia Eliete ficou deitada no leito do Hospital Ilha do Leite, acordada esperando esse médico aparecer. Tinha esperança que ele chegasse dizendo:

“Se prepare para ir para casa, a senhora está curada.”

A realidade foi outra, Adriano não deu as caras no apartamento, ele mandou um dos auxiliares, um médico jovem, recém-formado, amigável e de boa aparência chamado Daniel.

“Não tinha nada no seu útero, ao abrir vimos apenas um útero normal não havia necessidade nenhuma de retirar” ele disse.

Pela confiança das palavras, o sorriso, talvez o jaleco e o estetoscópio no pescoço, minha avó se apegou as frases que ele disse e passou a contar aos quatro ventos que estava curada. Não sabia ela que a vida não era tão fácil assim.

Duas semanas após aquele dia em agosto ela teve que voltar a ver o oncologista que tinha autorizado o procedimento cirúrgico. Arrumou o cabelo, colocou uma sandália ortopédica nova, toda perfumada, estava tão bem que não parecia estar ponteada. Chegando lá, ela entrou em um consultório, sorridente diante do médico que se tornou o maior carrasco da vida dela. Silenciosamente; ela colocou a mão no rosto e começou a chorar.

“A senhora tem câncer e já está avançando para as pernas. Qualquer coisa que eu fizesse podia lhe deixar aleijada.”, ouviu ele dizer.

Mais uma vez ela sentiu que chegara ao seu limite. Disse-me uma vez que depois daquele dia ela só pensava que ia morrer.

Sabendo disso, por dentro eu me sentia destruída. Mesmo sofrendo com ansiedade e depressão, não apenas eu tinha que ser forte, mas a família inteira precisa fazer isso. Chorei muito, noite e dia escondida, mas pela frente sorria, fazia de tudo; arrumava a casa, comprava remédios, buscava roupas. O que eu podia fazer para tentar ser a neta exemplar.

Como ela acorda bem cedo fica pensando no que poderia ter acontecido se o médico fosse em frente. Teria sua perna inválida. Amputar nunca foi uma opção para ela, nunca suportaria ser dependente de alguém, mesmo que fosse de mim que sou extremamente dela.

Começaram os preparativos para o tratamento: suco de beterraba e laranja, diversos tipos de vitaminas e saladas com couve, muitas conversas com todos os médicos necessários, como por exemplo, a ginecologista e o cardiologista. E milhões de protocolos que foram autorizados.

Por seis semanas, todos os dias ela vai para o centro do Recife fazer a Radioterapia. E apenas na sexta-feira, enfrenta um caminho mais longo, de Prazeres em Jaboatão dos Guararapes até Casa Amarela, para a Quimioterapia. No futuro próximo, novos exames serão feitos para poder dizer se o tumor regrediu ou ela terá que partir para um tratamento mais pesado. Os médicos que a acompanham esperam que o câncer reduza de tamanho para poder retirar o útero e acabar com o mal.

Dona Eliete segue esperançosa junto com a sua família.

(texto escrito em 2017).

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Written by Isabelly Emiliano

Escritora muito antes de ser jornalista. Acabei de escrever um livro que precisa ser publicado. Enquanto o dia não chega, você pode ler alguns textos aqui.

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