Soube do óbito dela

Era dia 9 de abril de 2019 quando eu soube que nunca mais conversaria com a minha avó, Dona Eliete Santos.

Isabelly Emiliano
5 min readJun 20, 2019
Eu e Dona Liete no aniversário dela em 2018

Terça-feira, o sol já tornava Pernambuco quente quando abri os olhos às 05:45 e decidi não ir para a academia pela manhã. Havia escovado o cabelo no domingo para o aniversário de um ano de um parente. Dois dias depois do evento, as madeixas ainda estavam bonitas e do jeito que a “veinha” gostava.

Desejava que quando entrasse na UTI do Hospital do Espinheiro, do grupo Hapvida, no terceiro leito à esquerda, dona Eliete olhasse para mim, desse um sorriso banguela e dissesse:

Eita, hoje a minha neta está linda!

Mas, isso não aconteceu.

A última vez que ela me viu foi na sexta-feira 5 de abril de 2019.

Antes disso, eu soube do câncer dela. De novo.

Desde o final de 2018, lá pela época do natal, vó Liete tossia, espirrava, tinha febre alta e sintomas de pneumonia.

Câncer estava descartado, pois desde setembro ela tinha sido liberada do tratamento de radioterapia e quimioterapia. O médico, alguém que a “veinha” não queria mais ver depois da última consulta, quando anunciou que o câncer no útero havia reduzido tão significativamente que ela estava curada. Repito:

CU-RA-DA.

Verdade. Mas, nem tanto.

Dona Eliete em seu último aniversário

Dia 10 de dezembro de 2018 foi o aniversário dela, embora sentisse dor no lado esquerdo do abdômen e na lombar, quis fazer um culto de ação de graça. Eu fiz um discurso falando do quanto a amava e estava grata por termos passado pelas dez sextas-feiras ruins da quimioterapia.

E dos meses em que eu chorava e orava desesperada no meu quarto, depois que dava os comprimidos de “Glifage” e “Sinvastatina” e o colírio “Drenatan” para ela.

Naquele aniversário, enquanto as lágrimas escorriam pelos olhos dela, e eu tentava deter as minhas, recitei a música que mais amo. Para que ela e todos os convidados entendessem, escolhi a tradução de You’ll Be In My Heart (No meu coração você vai sempre estar) de Phil Collins:

“Não tenha medo, pare de chorar

Me dê a mão, venha cá

Vou proteger-te de todo mal

Não há razão pra chorar

No seu olhar eu posso ver a força pra lutar e pra vencer

O amor nos une para sempre

Não há razão pra chorar

Pois no meu coração você vai sempre estar

O meu amor contigo vai seguir

No meu coração aonde quer que eu vá

Você vai sempre estar aqui.”

Daquele dia em diante essa era a nossa música.

Passamos o último natal e ano novo juntas, enquanto ela cuidava de mim com chá de boldo porque eu comi muito glúten.

Lembrança da última vez que saímos juntas

A última vez que saímos de verdade foi em janeiro, mais precisamente dia 27, eu, ela, meus pais e meu irmão fomos para um barzinho na praia de candeias, um lugarzinho que particularmente fazia o riso dela se soltar.

Umas 14h quando estávamos prontos para ir pra casa, meu pai falou de um outro bar de comida de panela, como por exemplo, aratu e galinha de capoeira. Dona Liete ficou animadíssima, comeu agulhinha frita, omelete de aratu e tomou muita caipirosca.

Ainda lembro de como ela gargalhava e olhava pro genro que estava patrocinando aquilo.

Todo dia ela me fazia comer, batata doce, banana da terra ou cuscuz, mas teve um momento que isso parou de acontecer. Era comum ela já estar acordada quando eu levantava 6h para ir a academia, mas isso já não acontecia.

Ela sentia tanta dor que não saia da cama.

Ela chorava de dor.

Parou de fazer esforço, sem conseguir levantar, os filhos e netos a carregava para levar para a emergência.

Houve dias bons, dias ruins e dias horríveis. A maioria eram horríveis.

Numa dessas idas à emergência, descobrimos que a mancha no pulmão não era apenas pneumonia, mas sim câncer. E o tumor não estava apenas ali, mas também no útero e coluna.

No dia 08 de março ela foi internada pela primeira vez. Os médicos do Hospital Ilha do Leite disseram que pela idade avançada dela, era inadmissível a dança de cadeira “vai e volta” a dezenas de emergências.

Chorei, chorei tanto que engasguei, minhas bochechas ficaram tão vermelhas que parecia que estava sentindo dor física. Meus olhos ardiam. Foi a primeira vez que tive medo de perdê-la.

Era véspera do meu aniversário. Completei 21 anos longe dela, não comemorei, fui no hospital a noite, ela encostou os lábios na minha bochecha e disse que me amava.

ô Belly, tu tá fazendo 15 anos hoje, né

É, Veia! 15+6, 21 Véia!

Eita!

Dormi com ela no hospital algumas vezes, nos 18 dias que ficou hospedada no oitavo andar do Hospital da Ilha do Leite. Alguns dias eram piores que os outros. Quando deram leite a ela, mesmo eu tendo avisado três vezes a equipe de enfermagem e a nutricionista que a minha avó era extremamente intolerante à lactose. Nesses dias ela tinha muita diarreia e tinha vergonha de me dizer que estava toda defecada.

O suplemento hipercalórico à base de leite fez a imunidade dela baixar. E a falta de movimento fez com que tivesse trombose. O remédio que tomava era a base de leite, e eu só fiquei sabendo depois que ela já havia vomitado e diarreias recorrentes.

Dia 25 de março voltamos a morar juntas. Ela ia todos os dias fazer a radioterapia. Ficava fraca a cada dia que passava. Até que ela parou de conseguir engolir.

Levamos para a Hapvida da Caxangá, o médico autorizou que a sonda fosse colocada. Algo que não durou muito tempo. Depois de duas horas dona Liete puxou aquele tubo pequeno pedindo para comer pela boca. Tomou sopa e suco de acerola.

E essa foi a última refeição que ela fez.

A pressão arterial dela estava muito baixa, por isso teria que ficar internada. Ela pediu para que eu ficasse, mas eu não podia:

Vai embora, Edna. Vai cuidar do teu marido! — Ela disse para a minha mãe.

E quem vai ficar contigo, véia?

Ela apontou a cabeça para mim. Escolhi um vestido verde florido que ela havia me dado, porque eu tava com medo novamente.

Sorri e orei para que Deus fizesse um milagre e a trouxesse de volta para mim. Durante a oração, ela olhava fixamente para mim, as bochechas tremendo.

Você vai ver tudo isso acontecer!

Ainda naquele dia ela foi para a UTI do Hospital do Espinheiro.

Cantei que ela sempre estaria no meu coração pela última vez no seu leito. E vi o milagre de Deus.

Dona Aliede Maria dos Santos Lima, mais conhecida como Eliete Santos morreu seis dias depois, após sofrer duas paradas cardíacas.

Soube da morte dela exatamente um mês depois do meu aniversário.

Chorei durante uma semana, da hora que acordava até ir dormir. Sinto falta da voz dela. Sinto falta dela.

“Lembre de mim

Hoje eu tenho que partir

Lembre de mim

Se esforce pra sorrir

Não importa a distância

Nunca vou te esquecer”.

--

--

Isabelly Emiliano
Isabelly Emiliano

Written by Isabelly Emiliano

Escritora muito antes de ser jornalista. Acabei de escrever um livro que precisa ser publicado. Enquanto o dia não chega, você pode ler alguns textos aqui.

No responses yet